Dado que já umas quantas vezes me perguntaram o que faço aqui, acho por bem fazer um pequeno esclarecimento. Bem, o que faço é: absolutamente nada. Parafraseando certas pessoas, ou um preguiçoso que poe os seus interesses pessoais à frente daqueles de quem me paga. Nao resisto a uma facadinha, embora saiba que os destinatários desta pequenita frase nao lêm este blog :) sim, sao aqueles que estao agora mesmo a imaginar.
Mas bem, mais seriamente, o que faço aqui é trabalhar com enzimas. E quais enzimas? Um dos mecanismos pelos quais as bactérias resistem à acçao nefasta dos antibióticos é através de enzimas que modificam o antibiótico, alterando a sua actividade, ou seja, inactivando-o. Aqui no laboratório trabalhamos com dois tipos de enzimas: acetiltransferases, que inactivam antibióticos que pertencem à família dos aminoglicosídeos e beta-lactamases, que hidrolisam penicilinas, cefalosporinas e carbapenemos, entre outros. Nomes estranhos, mas todos nós, ao longo da nossa vida, já os utilizámos, embora com outros nomes.
E a que nos dedicamos nós? Basicamente, tentamos colocar-nos um passo em frente das bactérias. É certo e sabido que assim que se começa a utilizar um antibiótico novo, rapidamente surgem resistências. Assim que, nos dedicamos a introduzir mutaçoes nos genes que codificam essas proteínas, tentando de algum modo prever aquilo que poderá acontecer na natureza. Umas vezes acerta-se, outra vezes nao, mas... fica-se a conhecer um pouco mais as enzimas e o modo como funcionam.
Entao, depois de termos os nossos mutantes, vem o passo seguinte: fazer com que a nossa amiga Escherichia coli, produza menos das proteínas que naturalmente produz e se dedique a produzir a nossa de uma forma exagerada, hiperexpressada. Umas vezes consegue-se à primeira, outras vezes é uma questao de diplomacia, e tentamos encontrar uma soluçao de consenso, que deixe quer a bactéria feliz que a nós produzindo um mínimo de enzima. Neste aspecto as bactérias sao como as mulheres: caprichosas (perdoem-me...).
Passo seguinte: purificar a proteína, a partir da mistura de proteínas que se encontra na célula. E como? Primeiro que tudo, utilizando uma arma desenvolvida pelo Departamento de Defesa dos EUA, numa cave recôndita do Pentágono: uma máquina de ultrasons. Esses ultrasons destroem a cobertura da bactéria, a parede e membrana celular, permitindo o acesso ao seu cobiçado interior. Depois, utilizando umas resinas especiais, há que proceder à separaçao das proteínas, com base na sua polaridade, tamanho ou carga eléctrica.
Uma vez obtida a proteína, vem aquela parte que teoricamente deveria ser a mais simples, mas que frequentemente se torna a mais complicada. Faço duas coisas: cinética enzimática, em que determino através de umas fórmulas matemáticas "manhosas" diversos parâmetros que influem na actividade da enzima sobre o antibiótico e cristalografia, onde, sujeitando a minha enzima a diversas condiçoes, tento obter cristais de proteína.
Findo tudo isto, (in)felizmente há que sentar-se, analisar os dados e escrever. Infelizmente, porque ainda nao cheguei a esta parte, mas felizmente, pois embora goste muito do trabalho de bancada, sentar-me para escrever nao é o que mais gosto.
E custa? É raro o dia em que nao há um problema, ou uma questao que se coloque ao longo do trabalho. Também nao há um dia em que passe menos de 10 horas a trabalhar, ocasionalmente também ao fim de semana (felizmente aqui sao só um par de horas). Mas... é bom podermos fazer aquilo que gostamos, num sítio onde nos proporcionam aquilo que necessitamos e onde "apenas" nos pedem que trabalhemos e apresentemos resultados. Que trabalhemos naquilo para o que fomos contratados, aquilo que sabemos fazer...
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