
Depois de uma noite bem dormida, mas quente e húmida, mais um despertar cedo, antes mesmo do sol nascer. Com os músculos doridos, os ombros a pedir que nao lhes pusesse mais de 5 gramas em cima, chegava a hora de desmontar a tenda, fazer a mochila e preparar-nos para aquilo que viria a ser uma excelente, mas extremamente desgastante experiência. Começava assim a subida do Gran Canyon, mais nove milhas de caminho, mas desta vez, a subir.
No momento que meto a mochila às costas pensei para mim que ia ser uma viagem muito longa. Os ombros e a zona do fundo das costas estavam como "moídos", depois de carregar durante tantas horas no dia anterior tamanho peso. Nem mesmo o ibuprofeno que tomei aliviou fosse o que fosse. As dores iam continuar mais 1-2 dias.

O dia estava fresco, sem estar quente nem húmido.Tudo apontava para que tivéssemos pelo menos nas primeiras horas da manha, mas algo me dizia que iria fazer calor. As nuvens que se viam nao prometiam chuva, nao como a do dia anterior pelo menos. Ao caminhar ao longo do rio este já nao apresentava a cor de barro da descida, já se via algo esverdeado, mas nao com a cor pelo qual o Colorado é famoso. Mesmo assim, a vista era bem mais agradável. A subida, é que já nem tanto. A primeira marca da viagem seria a estaçao de descanso, ao fim do trilho ao longo do rio. Embora o declive nao fosse muito, ainda tivemos que subir e descer um pouco.

Depois do rio e de um pequeno caminho, chegámos à Devils Cork Screw. Ao olhar para o caminho que ia ter que fazer, desmotivei. Lembrava-me do que tinha descido. Agora, tocava a subida. Sempre a subir, em ziguezagues. A meio, pensava que o coraçao me ia saltar pela boca. Também nao ajudava saber que naquele mesmo trilho tinham morrido pessoas no ano anterior. Confesso que me preparei antes da viagem, ginásio, futebol, mas também admito que nada me preparou para aquilo que estava a encontrar. É tudo muito bonito durante uma hora, de calçoes e tshirt. Agora, várias horas e carregado que nem uma mula, as coisas sao diferentes. Ainda assim, a suar e e a maldizer a minha vida, lá se foi fazendo a subida.
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A subida |
Finalmente, chegámos ao "topo". O topo significa apenas ao cimo da "inner gorge". Faltava-nos fazer o canyon propriamente dito. E prestem atençao à fotografia seguinte, pois vou-lhe fazer mençao um pouco mais tarde.
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O "cimo" |

Desde aqui até Indian Gardens, o caminho era relativamente fácil e plano. Já sem a chuva do dia anterior, apenas algumas gotas que teimavam em cair, caminhámos ao longo dum pequeno regato, o mesmo que alimenta os jardins. Com alguma água residual, aqui e além ainda se viam algumas quedas de água. Ao fim de algumas horas desde que tinhamos começado a subida, chegámos a Indian Gardens. Tendo em conta que tinhamos subido mais rápido que o previsto e ainda era relativamente cedo, e, sobretudo, ainda estava fresco, decidimos nao esperar até meio da tarde para continuar a subida. Sentámo-nos durante uma hora, bebemos umas bebidas energéticas e comemos porcarias açucaradas e, já com a moral um pouco mais elevada, começámos a parte mais difícil da viagem. Pela frente, 3 secçoes de aproximadamente 2 km, nas quais se subia em cada um aproximadamente 300 metros, perto de 400 no último deles. A inclinaçao, está mais que visto, era brutal.
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Desde os jardins, com o destino ao fundo |
A primeira secçao, embora a custo, foi feita. Chegámos à área de descanso cansados, suados e quentes, mas tinhamos feito um tempo bastante bom. Estávamos a subir mais rápido do que tinhamos descido, o que demonstra o quao difícil tinha sido a descida, sobretudo devido à lama e chuva. Parámos uns minutos, bebemos e comemos e, depois de me ter ensopado completamente para refrescar um pouco, decidimos pelo menos ir até à outra área de descanso. Começava a aquecer, mas ainda nos sentíamos relativamente bem e era cedo.


O segundo tramo custou. As pernas já pesavam, cada vez descobria mais músculos que nao sabia ter e tinhamos que parar a descansar com alguma maior regularidade. Pelo caminho cruzávamo-nos com alguns valentes/inconscientes que decidiam descer um pouco apenas com uma garrafa de 330 mL na mao. Há gente que nao respeita as regras, nao lê os avisos e arrisca a sua vida. E mais, nao só a sua, mas também a de algumas crianças que levavam com elas. É certo que há água em cada ponto de descanso, mas também é certo que se bebe bem mais que isso entre cada um deles, especialmente a subir. Mas, como cada um é dono e senhor do seu destino, nao me cabia a mim educar ninguém. Eu, só queria chegar rapidamente ao cimo do canyon, tomar um duche e descansar os pés. Na última paragem a história repetiu-se. Tinhamos feito um bom tempo, ainda nao era meio dia e estávamos já muito perto. Assim, esquecemos o estado de extrema exaustao e decidimos enfrentar o sol que já começava a aquecer e fazer o último tramo.

Loucos....
Loucos, loucos, loucos... a ultima secçao da viagem foi terrível. Já fazia calor e o meu corpo começava a sentir-se extremamente cansado. E o ultimo tramo é o mais inclinado e exposto ao sol. Curvas e contra curvas, montes e montes de paragem para descansar, lá o íamos fazendo. A minha roupa já nao secava, a água que tinha vertido sobre mim na ultima paragem evaporava ao mesmo ritmo que o meu suor a substituía...
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Indian gardens. Se olharem bem, acima dos jardins e ligeiramente à direita, do lado direito da garganta que se vê, pode-se ver a rocha que tinha dito anteriormente para se prestar atençao. Ali, é o ponto de separaçao. |
Depois de muitas dores, chegámos ao primeiro dos dois túneis que se encontravam no início do trilho. As útlimas forças, aquelas que o corpo ainda guardava, vieram ao de cima e o ritmo aumentou um pouco. Antes da subida, mais uns petroglifos.
O fim... o sentimento foi indescritível. Ao chegar acima, senti que tinha entrado noutro mundo. Carros, casas... depois de dois dias perdido no fim do mundo, sem nada, tenho que admitir, foi um choque talvez comparável áquele que lemos nos livros de aventuras quando alguém se perde no meio da selva. Nao exagero, por dois dias senti que nao havia civilizaçao e chegar ao fim e ver aquilo tudo foi muito estranho. Sujos, suados, eu completamente ensopado em suor, fomos para o parque de campismo. Era hora de tomar um longo e quente duche e comer comida de jeito.
Algo mais relaxados, e já que o tempo estava lindo, decidimos voltar a fazer a estrada que tínhamos feito dois dias antes com mau tempo.
Vistas as vistas, feitas as fotos, fomos ver o por do sol na área do acampamento. Um por do sol lindo, para culminar um dia espectacular.
E que ganhei eu com esta experiência? O que ganhei nao se consegue exprimir com palavras. Fui a um dos sítios que sempre tinha querido ir. Fiz uma coisa que só alguns fazem, e, scima de tudo sobrevivi. O gran canyon NAO é uma brincadeira. E com esta experiência vi o quao terrível pode ser a natureza. Nem toda a gente está apta para fazer isto. Acima de tudo, tive uma aventura espectacular. Caimbras, bolhas, nódoas negras e dores musculares aparte, nao me arrependo nada do que fiz. Arrependi-me quando subia, admito. Nalguns momentos senti algum desespero por tudo o que ainda faltava fazer. Mas hoje, nao me arrependo. Foi maravilhoso...